A questão dos livros e da leitura entrou, enfim, na campanha eleitoral. Ainda que por vias tortas e como munição na batalha da polarização que tem dado o tom, é algo bem positivo.Isso porque sempre que atores envolvidos no processo eleitoral - e ainda mais tratando-se do próprio candidato ao cargo máximo em disputa - buscam se associar a determinadas causas acabam por assumir, inevitavelmente, compromisso público com o tema. Mesmo porque será cobrado disso pelo eleitorado.
Cria-se, então, condições objetivas para, findas as eleições, virar agenda
nacional e política pública.
Que assim seja após a fala de um dos candidatos a presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas de opinião, que trouxe para o primeiro plano os clubes de leitura. Era só uma tentativa de estabelecer uma contraposição com seu principal adversário, Jair Bolsonaro, defensor de armar a população, simbolizado na forma dos clubes de tiro, frequentados por familiares e amigos.
Para diferenciar as respectivas plataformas, Lula prometeu priorizar, num possível novo governo, clubes de leitura em vez de clubes de tiro. Ou seja, mais educação, cultura e conhecimento no lugar de armar a população - o que bastou para o assunto ir para o topo das mídias sociais.
Em 2004 - quando Geraldo Alckmin, Marina Silva, Cristovam Buarque e o próprio Lula eram os candidatos - foi feito o Manifesto do Povo do Livro pela Organização dos Estados Ibero-americanos, entidades e escritores. Todos que receberam se comprometeram com o documento. No caso do então presidente, ele foi entregue e lido pelo escritor indígena Daniel Munduruku, no próprio Palácio do Planalto.
Resultado: na gestão seguinte o tema mereceu destaque incomum, e resultou na criação do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) e na desoneração fiscal dos livros, hoje sob risco. O que vale destacar é que temas explorados em campanha têm boas chances de virem a se converter em políticas públicas.
A expectativa, portanto, é que os clubes de leitura, em expansão em tempos de isolamento social, venham a ser alçados em programa de governo. Afinal, possuem grande capacidade de, a custos baixos, formar leitores para transformar indivíduos e a própria sociedade.
Muito mais do que o acesso aos livros, o que gera mudanças é o ato de ler, ou seja, se apropriar dos conteúdos. Não há caso de país desenvolvido que tenha alcançado essa condição sem antes garantir o acesso da população aos livros e à educação.
Assim como a escola, os clubes de leitura são espaços privilegiados de fomento à leitura. No caso dos 150 criados pelo Observatório do Livro desde o início da pandemia, o índice chega a 48 livros lidos por ano, dez vezes a média nacional de 4,9, segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. O mesmo se dá nos clubes de leitura de presos e em outros.
Oxalá a ascensão do tema nos últimos dias possa dar origem a vigorosas políticas públicas que nos leve, pelos livros, à posição de Nação justa e desenvolvida, humana e cidadã.
Galeno Amorim é ex-presidente da Biblioteca Nacional e do Cerlalc/Unesco (Centro Regional de Fomento à Leitura na América Latina e no Caribe). É o atual presidente da Fundação Observatório do Livro e da Leitura.